sábado, 28 de dezembro de 2013

O Livro

se vier da pele
mas só da pele
vier um traço
um risco
um tasco
uma doce fonte
um jarro
se vier da pele
mas só da pele
vier um esbarro
um lasco
uma cor tua
um livro
eu faço.

Pouso Velho



no pé da rua
no pó de eira
cochilar na canseira
manso que só
feito sombra de aroeira
em beira de igapó

e no colo de renda
fio branco de vó
pastoreio jiboiando
baixo de pé de fruta
num vai e volta
com fé na luta
pois que toda estrada tem pouso
todo pouso é casa
e de novo é rua
com sua festa estrelada.

Estação Baixada Fluminense


Corta o ferro forjado de trem
pelas linhas do pobre senhor
mãe senhora que é pobre também
leva o filho no braço da dor.

É quente e fogo é instinto
sacudindo de sede e calor
margeando a baía que prende
o caminho pro mar, o frescor.

Longe o Rio do redentor
que vira as costas pro que não é sul
mãe que trabalha chora e cala
o filho no leito da vala comum.

Tudo que é menos um dia quer mais
e canta por cheiro, encanto, sossego
se junta na luta sem tempo pra medo
que a velha árvore é vida que jaz.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Caboclo Natalicio

para Dona Beta que do mar da memória pesca o infinito. 

em três taças bebia
era história das gentes
era segredo de sangue.

candeeiro não recorria
era o breu das enchentes
era o claro do mangue.

era dor pulsante
era riso dos ausentes
varanda que estrela sorria.

era voz do errante
em tom de melancolia
era futuro pretérito dos presentes.

era verdade crente
na esteira ao chão que se abria
era a Hora vacilante.

começo e fim de agonia
era o repouso dos dementes
era a sorte infame.

em três taças bebia
era história das gentes
era segredo de sangue.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Tempo


O avesso do torto é o direito
num tropeço de sombra e luz,
meio que persegue inteiro
começo que o velho conduz.

A volta assim é grande
pro menino que nunca riscou
a pedra detrás da fonte
balança no pé que firmou.

Cai que precisa cair,
chão é berço de flor
o medo é feito de ontem
não colhe pois nunca plantou.

E da janela se faz o cego
que de tanto querer encontrar
pincela o retrato do mundo
mas sente temer caminhar.

Sankofa

O credo é simples.
A noite que pariu o dia
pois que todo sonho alumia
pra gente acordar.

Que passeie,
que chacoalhe,
que pinte a cria em arco de íris,
tudo volta pro mesmo lugar.

É lá.
Vida é cor, no branco e no peito,
no povo em seu manto eleito
pro vento que gira soprar.

Ore Yeye ô!!

São duas mãos em forma de concha.
Calos no alento doce
sono de rio
antes do mar.

Brisa que traz a calma,
amante do fogo em sua luta,
lenta e pulsante
de beber e de frescar.

É tanta mágoa, sangue e choro
tanto canto feito em coro, no doer e no rezar,
que azul é leito santo
de renascer, de recriar.

De encher barriga de mulher
que mesmo cheia quer amar.